segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Ciclos, votos, e tudo novo como ontem!

Deparei-me esses dias com a pergunta “quais serão suas metas para o ano novo?”. A minha reação? Espanto, dúvida, ansiedade, preocupação, empolgação... Aquela mistura de sensações confusas que chegam todo final de ano para quem de alguma forma aprecia rituais: vou deixar de fazer isso, vou fazer mais aquilo. Há quem diga que é tudo conversa, que a gente dorme e acorda a mesma coisa como um dia qualquer. Ora, então não há nenhuma mágica, nenhum sininho que toque à meia noite entre os fogos e que nos faça transformar abóboras em carruagens? (sim, porque em réveillon à meia noite tudo (re)começa, ao contrário do conto de fadas)

Em que lugar ou momento nós guardamos as promessas que nos fazemos? Na profunda necessidade humana de iniciar e encerrar ciclos. Ainda que tais promessas não sejam cumpridas e se repitam a cada rito, elas surgem do desejo de movimento, de mudança. O desejo de uma nova chance, do auto perdão, do amor a si mesmo. Dentre tantas datas, fases da vida, ritos de passagens (religiosos ou não), o réveillon é provavelmente a época mais significativa para aguçar esses desejos. O desejo pelo NOVO ao zerar a contagem regressiva - zerar também o que veio até aqui e recomeçar.

O engraçado é que já me peguei pensando muito nisso, analisando racionalmente esse ritual e achando que nada faz sentido, que o dia seguinte traz as mesmas manias, as mesmas inseguranças, os mesmos sonhos. Então não vou prometer nada porque é só um rito, é isso? Não. Não é isso. A resposta que dei à pergunta é que eu tenho muitos desejos para o ano novo – acho desejo uma palavra mais realista e sincera do que meta. Meta me assusta um pouco, pelo menos neste momento. Da aquela sensação de ser cobrada em resultados concretos.

O que eu desejo é mudar em mim muito do comportamento e do pensamento que me fazem mal. Pensei então em prometer me vigiar e criticar quando esse tipo de coisa acontecer. Quem sabe não prometo ser mais proativa e cuidar mais da minha saúde física e mental. Posso dizer ainda que visitarei mais os amigos ou que serei uma “pessoa zen”. Mas não vou estabelecer nada disso. Apenas quero prometer que tentarei cumprir a difícil tarefa de ser intensamente sincera com aquilo que sinto e desejo. Quero prometer que vou entender que não conseguirei cumprir desde pequenas a grandes metas, mas que não me abalarei com isso, porque terei entendido que continuo humana e não posso me exigir ser mais do que isso. Posso anotar aqui que quando eu perceber que consegui alcançar algo, por menor que seja, devo agradecer, quem sabe até me orgulhar, mas não me acomodar. É... vou tentar.

Na minha lista de desejos para um ano novo cabe um mundo: daquilo que preciso ser, daquilo que devo deixar de ser, de projetos que deixei para trás, mas principalmente cabe a intensidade de um ser que chora, que ri, que quer ou que nem sabe bem se quer, que tem coragem e tem medo, muitos medos. Mas muitos sonhos. Cabe um desejo enorme de renovar ciclos e recomeçar sei lá como, sei lá quando. Para um ano novo cabe um mundo de desejos que mal cabe em mim, transborda! E quando um ciclo se encerra, por mais difícil que tenha sido, me sobra a gratidão. Não dizem que “o que não tem remédio remediado está”? Então se passou, resta-me agradecer porque aprendi alguma coisa, de alguma forma. Ah, aprendi sim! E é só este pensamento que quero levar. Porque além da gratidão sobra também aquele impulso de levantar da cadeira e dizer "para o mundo que eu quero levitar!".

Prometo que ao estourar os fogos serei eu mesma, na vontade de mudar e de permanecer, na perspectiva de arriscar e de recuar. Serei aquela que aguarda sorrindo a primeira oportunidade de sentir o cheirinho do novo acontecendo. Sempre igual, só que diferente.

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Flamenco, minha paixão!

Lembro-me bem do momento em que aguardava começar a minha aula de ballet (havia voltado a fazer para me exercitar). Olhei pelo vidro para aquela sala em que mãos e pés, olhares e expressões revezavam força e suavidade, seriedade, leveza e sensualidade, seguindo o ritmo da música com corpo e alma. Uma música que conseguiu me fazer balançar mais que pés e ombros (aquele gesto que a gente faz displicentemente quando ouve uma música ou assiste a uma dança que nos agrada). Acho que tocou bem lá no fundo logo de cara. E a professora deve ter percebido, me convidou para experimentar uma aula. Eu fui, e há quatro anos e meio eu tento me construir como bailaora, como costumamos nomear. Uma construção dia a dia, com alegrias e dificuldades, medos e vontades, mas, sobretudo, com muita paixão.

A primeira vez que uma professora me pediu para substituí-la foi um susto! Uma mistura de sensações de reconhecimento e medo. Seria eu capaz? Ela disse que sim. No fim, deu tudo certo. E toda essa confiança depositada pelas duas professoras foi crescendo, até eu passar a ser monitora e posteriormente professora da escola Alma Andaluza.

Hoje sei que posso muito mais do que penso. Choro porque se aproxima o dia em que as minhas primeiras menininhas subirão ao palco (meu coração precisa aguentar!). É muito mais do que a sensação de dever cumprido enquanto professora! É o resultado de muita dedicação, de uma luta contra o senso comum de que eu preciso “ter uma profissão” e que isso é “só lazer”. Eu adoro estudar e já me dediquei muito até o mestrado, mas dei um tempo, uma pausa, para me dedicar agora a crescer profissionalmente na dança. E mesmo que essa não seja a minha única ocupação na vida, eu a levo muito a sério (levo a sério, levo à base da alegria, da satisfação, da paixão...).

Muitas pessoas me conhecem bem e partilharam comigo as angústias, aflições, e desejos que me rodearam este ano quanto à identificação e à realização profissional, e por isso sabem o que é, para mim, falar da dança com todo meu coração, sabem o que é a expectativa do espetáculo de encerramento do ano da escola. E é sempre, para todos que estamos ali, um misto de dor e prazer. Muita gente dando de si mais do que podem para que tudo fique maravilhoso, para que a gente sinta que vale a pena lutar pela arte, ainda que desvalorizada por muitos. Para que a gente sinta que é divino fazer o que se gosta. Quase transcendental!

Dançar na companhia de pessoas que amam tanto o Flamenco deixa tudo sempre leve, traz uma alegria imensa ao meu coração. Dividimos técnicas, sonhos, palco e emoção. E para quem vê de fora e não conhece, digo que só experimentando (fazer ou assistir de coração aberto) para entender que todas aquelas caras e bocas, todos aqueles movimentos e pausas fluem naturalmente dos sentimentos intensamente ali vividos, muito além da técnica. É alma entregue à paixão!

Meus sinceros e insuficientes agradecimentos às minhas alunas, minhas amigas de aulas e minhas professoras Ivna Messina e Giselle Ferreira que permitem todo esse sentimento vir à tona!

Sara Baras no filme Flamenco Flamenco, de Carlos Saura.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Entre caos e mudanças.

Eu duvido muito que alguém consiga ser a mesma pessoa sempre. Não falo de caráter ou de valores que cada um de nós julga essenciais na vida, mas falo de formas de pensar e sentir. É que intriga escutar vez ou outra alguém dizer “nossa, como você mudou, quem diria, você não era assim”.

Esse tipo de comentário parece insinuar um estranhamento ao nosso comportamento, como se as pessoas se espantassem por termos aprendido a dizer mais “nãos” (ou mais “sim”), por não rirmos mais das mesmas piadas, por termos a coragem de dizer que algumas coisas simplesmente não nos importam mais e outras passaram a ter lugar central em nossa vida. As pessoas se surpreendem quando não demonstramos mais o mesmo tipo de humor, de sentimento ou de sensibilidade. Admiram-se quando nos mostramos mais fortes ou mais fracos. Falta isso, sobra aquilo... são muitas as expectativas!

Mas quem está imune ao vai e vem, ao sobe e desce dessa montanha russa que é a vida? Entre altos e baixos vividos, dizemos muitas vezes que não vamos abrir mão de pensar assim ou assado, que não vamos abrir mão da nossa dignidade. Acontece que nem sempre esse alto e baixo varia no mesmo nível para todos. Há aqueles que vivem a vida em queda livre, perdem os sentidos, esquecem os próprios sonhos e desejos, e nem sabem o que é ser digno! Quem tem um pouco mais de sorte e consegue se reerguer das tempestades, carrega no peito a marca das inundações. E consegue viver bem assim mesmo. Isso não é uma visão pessimista.

Mudamos diante das circunstâncias. Seja para o bem ou para mal (cabe aqui uma avaliação muito relativa de cada um). Ainda que sejamos fortes e possamos dizer que tiramos grandes e belas lições, mudamos.

Mudamos porque tocamos e somos tocados por outras pessoas, das mais diferentes formas. Mudamos porque aprendemos ou não a lidar com diversos tipos possíveis de problemas dessa vida. E, a propósito, ninguém tem o direito de julgar a capacidade, a maneira ou o tempo do outro para lidar com eles, para superá-los e seguir em frente.

Seria lindo (na verdade, tenho minhas dúvidas) se todos nós pudéssemos contar uma história de superação com muito otimismo, dizendo conseguir levantar todo dia com um sorriso no rosto e a sensação plena de felicidade. Alguns conseguem, é de cada um. Mas não há segredo ou fórmula pronta. A medida da resiliência, da assertividade, da tranquilidade, do otimismo, da pró-atividade é particular a cada ser humano. E não significa que alguém viva melhor ou pior por isso. A vida não é sempre uma foto de “bom dia” em redes sociais.

Viver é conseguir perceber cada mudança em nós e conhecer todo tipo de sentimento que desperta aqui dentro. E ser honesto com cada um deles, ao invés de impor máscaras convenientes às vontades alheias. Assim fica mais fácil perceber e mudar aquilo que incomoda ou faz mal, mas no nosso tempo.

Ainda bem que mudamos. E é interessante ficar atento a cada mudança, tentando entender as causas, conhecer as nossas possibilidades e as nossas fraquezas, sabendo que sempre pode vir uma surpresa. Porque o entendimento humano não é cíclico, muito menos linear. A gente vive, se perde e se encontra em meio ao caos.

terça-feira, 19 de novembro de 2013

E as luzes de Natal...

Eis que "o Natal vem vindo, vem vindo o Natal" e lá vem esse caminhão de refrigerante mais um ano. Um caminhão não, quatro! Além do carro da frente com o Papai Noel. Estava com meus sobrinhos na casa da minha mãe quando os vi da varanda, e claro que o pequenino (de quatro anos) quis descer para ver aquelas luzes estacionadas com toda aquela música envolvente e o velhinho gordinho (não tão gordinho este ano). E lá fomos nós, meu pai com o pequenino à frente, já o entregando para o Papai Noel, e eu levei o mais velho também (de 9 anos), que não queria ir porque disse "ah, besteira, isso não existe, é só um refrigerante". Mas eu lhe disse: "então vamos com um olhar sociológico, no caminho te explico o que é isso". E foi aquele papo de que é uma grande empresa, um líquido nojento que faz mal à saúde (tá, você pode gostar, mas eu realmente odeio), uma venda absurda de sonhos enlatados, e que o Natal significa outra coisa... acho que ele entendeu.

É fato que aquele fuzuê desperta curiosidades sim, é bonito, eu pelo menos adoro luzes. E as pessoas iam se aproximando (não apenas as que estavam com crianças - todas estas encantadas) e tiravam fotos. Percebi um homem caminhando em meio a tudo aquilo, carregando seu carrinho de feira abarrotado de sacolas e panos e tralhas, cabeça baixa. Logo pensei "coitado, nem percebe o que está acontecendo, deve ter muitas preocupações na cabeça". Aí eu quebro a cara, pois ele também para. "Estaciona" seu carrinho rente ao muro e observa, imóvel, todo aquele movimento. Imediatamente peguei meu celular e registrei o momento, e não consigo parar de olhar essa foto. E não consigo parar de imaginar no que será que esse homem estava pensando enquanto olhava fixamente. Durou alguns minutos.

Será que pensava na possibilidade de fazer um "bico" como Papai Noel?

Será que pensava em como seus filhos ou netos gostariam de ver aquilo?

Será que "viajou" para um outro mundo só para esquecer um pouquinho os problemas?

Será que apenas admirava? Ou achava tudo aquilo uma bobagem?

Ou será que diante dos caminhões nomeados "Sorrisos", "Esperança", "Felicidade" e "Amor", ele nada via fazer sentido?

Vai ver é isso, vai ver ele apenas tinha sede e pensava que seria bom naquele calor ele tomar uma latinha daquelas, já que há coisas muito piores que lhe fazem mal à saúde.

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Furacão - parte II

Nada no lugar. Nem ideias, nem vontades, nem convicções, nem mesmo dúvidas.

Não há paredes que escorem as certezas que insistem em cair.

Não há chão que sustente o peso dos desejos.

No olho desse furacão tudo se esvaiu.

Até as palavras misturaram-se ao redemoinho dos ventos e ora me abandonam, ora recaem sobre mim como entulhos cortantes e desorganizados.

Nada no lugar, a não ser o estalar do tempo que pressiona o vazio pontualmente presente.

E nesse tic tac irritantemente constante tento me reorganizar.

Imagem: Salvador Dalí.

sábado, 26 de outubro de 2013

Sorrisos.

Hoje andando pelas ruas do bairro vi uma senhora muito bonita. Vestia uma roupa leve e clara como seus cabelos quase totalmente brancos, um chapéu com laço de fita e um bonito batom rosa escuro. O que mais me chamou a atenção em toda aquela leveza foi o seu sorriso fácil. Ela caminhava como se não se importasse com a intensidade do sol. A mesma intensidade que me deixava de testa franzida (é... talvez franzida não apenas por causa do calor). Andava como se a vida lhe fosse leve, ou como se estivesse na expectativa de um feliz acontecimento, ou ainda como se tivesse acabado de encontrar uma velha amizade.

Quanta especulação em torno de um sorriso! É fato que me contagiou, me intrigou, e fiquei pensando na vida dela, na minha vida, e em quantos sorrisos encontro no meu dia a dia. Por uma doce surpresa, por um encontro inesperado, por uma lembrança que veio sem querer. Por aquele chocolate desejado, por uma vitória alcançada ou por simples vontade de viver. Um sorriso com um bom motivo ou simplesmente gratuito. Às vezes acidental, às vezes com intuito.

Já me acostumei a não me sentir tola treinando sorrisos no espelho. Já percebi que em muitos momentos ele é a causa e não a consequência do meu humor. Mas às vezes me esqueço de imprimir em meu rosto a marca da leveza e o que sobressai são as ruguinhas de preocupação. Carrancuda! Antipática! Assim chamei a mim mesma quando vi aquela senhora. E olha que não tenho um riso difícil. Mas estava tão distraída em meus pensamentos que cerrava os dentes, espremia os olhos.

Não sou a favor de brincar de conto de fadas o tempo inteiro, acho que devemos viver todos os sentimentos humanamente possíveis para aprender a dosar a vida. Isso é autoconhecimento! Então é claro que os sorrisos às vezes não aparecem. Mas é inegável que ele é terapêutico, é curativo, é necessário. E mesmo na dor é possível tirar até um sorriso sem graça da gaveta capaz de iluminar um pouco o dia.

Penso naquela senhora, reproduzo o seu sorriso, e tento me propor a treinar uma porção deles muito além do espelho.

domingo, 20 de outubro de 2013

Furacão - parte I

Têm sido dias de tempestade aqui dentro.

Daquelas que tiram tudo do lugar, levantam a poeira longe, fazem lama.

Acho que andei escondendo essa poeira toda embaixo do meu tapete de conveniências.

É bom que tudo se agite um pouco de vez em quando.

Mesmo que nesse vendaval eu ainda esteja agarrada ao tronco da minha comodidade.

Fixa, enraizada, mas que neste sopro forte foi arrancada. Sem dó nem piedade.

Tudo pelos ares. Certezas, dúvidas, decisões, embaraços, medos, coragem, até valores.

Estou no olho do furacão. Perdida. Chacoalhada.

Aguardando que haja busca por mortos e feridos e que assim eu descubra o que em mim sobrevive. Que eu descubra quais sentimentos e vontades terão mais forças para esperar a poeira assentar e se reerguer dos entulhos da vida.

terça-feira, 15 de outubro de 2013

Insônia.

Ela não conseguia dormir, já passava das duas da manhã. Na varanda, entregou seu pensamento às luzes que fagulhavam delicadamente seus olhos. Pensava longe, intensamente. Imaginava as vidas agora quietas, mas tão logo, à aurora, despertas. Indagava curiosamente o sentido daquilo tudo. Seguia as luzes da cidade, esse mar de gente... tentava adivinhar os sonhos de cada um que dormia. Atmosfera estranha, inverso do dia a dia. Silêncio. Silenciosamente intrigante. Não condizia com todo o barulho que dentro dela lhe estremecia os sentidos.

Ali parada, as lágrimas escorriam dos olhos, lavando a face que à luz do dia, na rotina, no espelho já não conhecia. Sentia desejo de voar, de flutuar sobre sua própria vida, acompanhando a dança das luzes silenciosas da cidade. Queria ser leve. Agora adivinhava os próprios sonhos, adormeceu por dentro, mas só por dentro. Sonhos trancados e que deveriam ser soltos ao vento. Vento que tocava suavemente seu rosto. Não tinha respostas, nada de certezas. As lágrimas embaçavam sua visão já turva pela miopia, e faziam parecer que as luzes aumentavam e iam em sua direção, como sinais de fogo. Fogo envolvente, energizante, que lhe convidava a dançar.

Estremeceu mais uma vez, e soluçou. O medo e o vazio lhe apertavam, mas em sua dança lutava para libertar ao vento seus sonhos costurados com fios de seda, flutuantes, ao mesmo tempo fortes e ingênuos, e que lhe agraciavam por sua singeleza. Um suave sopro gelado da madrugada a fez suspirar. Quase amanhecia. Sentiu-se acolhida em sua cama macia e quente, lembrava o fogo. Sabia que o alvorecer lhe traria possivelmente a desatenção, a inércia ou a confusão. Mas ela não desistia, e sabia que nada é sempre igual. Suas cúmplices madrugadas lhe ofereciam um sopro de mudança. Acordou cansada, e com uma incrível vontade de ser!

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

A gente aprende de qualquer jeito.

A gente sabe que a vida ensina, que a gente aprende com os acontecimentos, que a gente amadurece com o tempo e que é preciso paciência, e muitas vezes resiliência. Mas ninguém nos ensina o que é aprender. Não recebemos o manual indicando o tempo necessário da espera (Ou o que fazer nesse período). Só nos contam o final do filme: que a gente aprende.

E o processo é longo, árduo, confuso às vezes. Em algum momento da vida a gente se da conta dele sim, reflete sobre as esperas, as perdas e os ganhos e consegue perceber que, mesmo sendo demorada a caminhada, a gente está no rumo certo do aprendizado. Nesses momentos, é possível entender que a descoberta não está ao nosso alcance, mas ela está logo ali. Ficamos dispostos a percorrer o trajeto completo até chegar ao seu devido destino. E aí tudo parece ficar mais ameno.

Mas há fases em que ficamos feito crianças que não sabem esperar. O choro é incontido, a raiva é ingênua e irracional, qualquer olhar é reprovação, qualquer talvez torna-se não. E todo não é desolação. O imperativo é a pressa, é a solução, a resposta! É a necessidade de chamar a atenção do mundo para nós, sem medo de dizer que não estamos conseguindo sozinhos. Da aquela vontade de sentar e se entregar à dor até que alguém apareça com uma palavra que cure, mesmo que momentaneamente. Como a criança que espera um colo, um doce, uma brincadeira descompromissada.

Esse não é o momento para que alguém me diga que devo crescer e esperar. A minha criança não sabe o que é isso. E não precisa saber. E nós, mesmo adultos, também não precisamos estar conscientes disso o tempo inteiro. Não é regredir, é deixar que a fragilidade também ajude no processo da descoberta para o crescimento. E seguir esta criança pode ser um bom suporte para isso, porque a criança não sente vergonha de gritar, de chorar, de pedir ajuda, de ser frágil. Mas é justamente a sua incapacidade de racionalizar a dor que a faz voltar a sorrir por muito pouco. E com ela a gente aprende de novo.

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Compaixão e sensibilidade.

Outro dia escutei duas pessoas conversando sobre uma mulher que anda pelas ruas pedindo dinheiro, roupas, comida. Diziam que a mulher não fica satisfeita com o que lhe oferecem e vive arrumando confusão, brigando com todos. Um trecho do diálogo foi:

- “Ela grita com todo mundo como se a gente tivesse culpa dos problemas dela. Já a Dona Fulana é muito tranquila, não causa problema algum.”

- “Verdade, ela vem sempre aqui, pede, mas fica quietinha, tem as doideiras dela, fala sozinha, mas não incomoda.”

Pois então que me indago mais uma vez (e sempre!) sobre o quanto nos importamos com outro ser humano que está ali ao nosso lado, dia a dia, vivendo possivelmente angústias e expectativas muito semelhantes às nossas. Pergunto-me por que ainda ignoramos e até mesmo desprezamos atitudes, comportamentos, “formas de sofrer” que julgamos desnecessárias, porque achamos que tudo tem que estar em ordem, na tranquila paz. Como se nós (digo todo ser humano) estivéssemos imunes a todo tipo de fragilidade.

Na situação que presenciei, em específico, há ainda uma questão de diferença social muito clara. Alguém que vive à margem da sociedade, somente pela sua condição de pedinte já incomoda. Não queremos nos sentir responsáveis por outra pessoa, muito menos culpados (porque a culpa da miséria é dela mesma, é o que dizem sempre; ela não se esforçou, não correu atrás). Reclamar então, imagine! Se eu lhe entregar o que comer (ainda que nem olhe em seu rosto) ela já deve se dar por satisfeita.

Mas não paramos para pensar que, se ela reclama, se ela grita, talvez precise matar uma fome que dói muito mais fundo que o estômago. Não é favor ou mera caridade que lhe devemos. É compaixão, ao menos uma gota de sensibilidade. Olhar em seus olhos e não nos sentirmos incomodados quando ela reclama, quando ela fala sozinha, quando ela grita pelas ruas... Porque são histórias de vida (muitas bem mais duras que as nossas), são dores e esperanças, cansaços e vontades (sim, ela tem vontades!), muito além de sua aparência mal cuidada ou de sua “loucura” por nós incompreendida.

Materialmente, as queixas podem ser outras, a forma de esbravejar pode ser diferente, mas no espelho da alma talvez possamos nos reconhecer gritando como aquela mulher.

domingo, 29 de setembro de 2013

Afeto.

Afeto. “Tocar, comover o espírito”. “Disposição da alma, sentimento”. “Aquilo que age sobre um ser”. A despeito dos dicionários consultados, simplesmente é a inevitável condição de existir. Afeto é sentimento, mas também atitude. É construir e desconstruir significados, sempre. Entender o afeto é pensar o sentido da vida. Embora isso possa parecer filosófico demais, é simples como um botão de rosa: nasce, desabrocha, perfuma, murcha, fede, morre. E tantas outras rosas vêm, com outras cores tão bonitas de ser ver quanto àquela. Desde sempre se pensou e se discutiu sobre a dureza e a leveza de existir. Fala-se sobre o amor, e o ódio, sobre o ciúmes, a inveja, sobre o perdão, a compaixão, e tanto mais... Quantas músicas e poesias nós conhecemos que indagam sobre o que é o amor? Ah, tanta gente quebrando a cabeça para definições em vão! O amor é óbvio (ou quase)! O que não é claro é como cada um de nós é afetado por ele. E por todos os demais sentimentos humanos. É muita vida, é muita luta, é muito sonho e muita confusão para vivenciarmos todos os dias essas “definições indefiníveis”. E infindáveis! O que te afeta? Como te afeta? E o que você faz com isso? Ora vem como um rompante natural e instintivo, como o amor de mãe. Ora é racionalizado dentro da emoção, como a decisão de perdoar alguém. Afeto é visceral, é entorpecente, é enlouquecedor. Afeto é riso, é choro, é expressão, é indagação. É incontrolável. E irresistivelmente envolvente. Porque diz quem sou, quem eu quero ser, e quem também não quero. Longe de mim sentir isso! Mas não tem jeito, já veio. Afetou. Afeto é dizer para o mundo quem sou eu, responder à altura pra esse moço que grita o tempo inteiro quem devo ser. E então a gente diz que não está satisfeito com isso. Ou então se cala. Porque afeto às vezes transborda, mas às vezes é vazio. E afetar-se é viver o que está fora e o que está dentro, ao mesmo tempo. Reagimos com atitudes, com emoções contidas ou extravasadas, ou ainda com reações orgânicas. Adoecemos. E amadurecemos. Afeto é a chance de se dar conta de si mesmo. A chance de entender que ninguém está pronto, ninguém está acabado. Ninguém sabe necessariamente o que quer o tempo todo, e não há pecado algum nisso. Pecado é não assumir ou fingir ser o que não é. Como se só as flores me afetassem. Ora, estou é cheia de espinhos! Sei que os sonhos e a realidade são em mim confusos, e admito ter medos e dores, e às vezes querer fugir. Ninguém pode cobrar de nós que sejamos auto suficientes, decididos e felizes em tempo integral. Afetar-se é ser humanamente sincero. Estou descobrindo como vivenciar esses afetos. Não nas minhas relações com os outros, mas comigo mesma, porque o amor ou a raiva que sinto por alguém só afeta a mim (pelo menos em princípio). Olhar para dentro de si é tarefa difícil! Viver, experimentar, sentir, ouvir o que me afeta é descobrir o que me identifica, e brigar com o mundo que insiste em querer ditar o que devo sentir. Afeto é o que carrego na minha alma!

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Perdoar-se.

O sentimento exacerbado de nostalgia às vezes pode ser uma grande culpa carregada com correntes que nos amarram e nos impedem de ir à frente. É necessário que o olhar para o passado seja apenas de consciência pela etapa cumprida, e não de arrependimento. Podemos achar que foi pouco, que foi errado, que poderíamos ter feito diferente. Mas foi assim, e já foi. E cada pedaço faz parte da nossa história, que tem que continuar.
Abrir aquela caixa de imagens não foi fácil para mim naquele dia. Fazia muito tempo que não revirara sentimentos tão intensamente. Nem mesmo me dei conta de que todas elas estavam tão vivas em minha mente e em minha alma, acessadas a qualquer tempo. Bastou um pequeno pedaço de papel para tudo vir à tona. Segurei a mão de todas elas, que me olhavam com um misto de saudade e admiração. Eu não entendia. Talvez elas quisessem me dizer alguma coisa, mas eu apenas chorava. Doía. Todas aquelas meninas e jovens carregavam consigo uma flor, uma cor, um sorriso. Mesmo a mais cinza me mostrava em suas mãos pétalas ainda bem perfumadas. Olhar nos olhos de cada uma delas foi confuso, dolorido, mas ao mesmo tempo instigante. Era como se eu lhes devesse algo, como se eu lhes houvesse outrora furtado sonhos. A sensação da culpa e da dívida me corroía, e nessa hora parei de lhes encarar. Chorei mais uma vez. Foram necessárias algumas horas em silêncio, nos olhando, para que eu entendesse que aquelas cores ainda estavam vivas, que aquelas flores eram para mim, para que eu aceitasse aqueles sorrisos. Era isso que queriam me dizer, que eu precisava desse entendimento para continuar. Talvez eu confunda a saudade com a culpa. Talvez eu queira voltar o tempo e corrigir os erros. Talvez eu queira dar a elas uma nova chance. Tocar aquelas imagens tão vivas é difícil, acessar cada lembrança é dolorido. Pode ser que a dor demore a passar, pode ser que a saudade ainda aperte. Pode ser que ainda seja difícil abrir aquela caixa. Pode ser que eu chore. Mas elas levaram embora a culpa, e sem ela comecei a entender que era eu quem estava ganhando uma nova chance. Sou eu agora que devo escolher as minhas cores, sou eu agora que carregarei a minha flor. Talvez eu plante um girassol.

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Mosaico de Cacos

Não quero sentar e ansiar pela mudança, pelo novo. Parece óbvio, parece cômodo. Ele vem, é fato, e lidar com ele talvez seja mais fácil, mais leve. Deixo para trás o discurso da obsolescência. Para o velho só me exijo a paciência. E um pouco de ousadia, quem sabe... Quero cutucar a cada dia a ferida que a mim cabe. Revirar a carcaça, desparafusar cada peça e me remontar. Acho mais honesto e leal assim me encarar. Frente a frente com tudo aquilo que vivi e construí. Cada sentimento que diz quem sou ou quero ser. E até o que eu ainda não descobri ou decidi... Não é que eu ignore a mudança necessária. Mas tento ver em cada caco o seu brilho. Posso me despedaçar e ainda inventar um mosaico com meus velhos cacos.

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Colecionadores de pedras.

Havia um louco que colecionava vários tipos de pedras. De algumas, ele não desgrudava, e às vezes escondia para que ninguém as visse, mas em certos momentos elas lhe incomodavam em seus bolsos. Outras, ele atirava numa correnteza que as levava para bem longe, e sentia então o alívio e a leveza de um dever cumprido. Algumas pedras ele entregava como presente, grandes, polidas, como se fossem preciosas, ainda que não lhe dessem o menor valor, ainda que rissem dele. Restaram-lhe as menores, tão opacas, rachadas, corroídas pelo tempo. Estas ele atirava, uma por uma, nas pessoas que por ali passavam, nas pessoas que ora lhe zombavam, ora lhe ofereciam ajuda, ora lhe interrogavam, ora lhe diziam sermões. Apesar de tão pequenas, essas doíam. Mas o pior é que voltavam e ele se via novamente com sacos e sacos de pedra. Acho que ele mesmo as catava do chão.
Esse louco sou eu. Ou pode ser você. Quantas ideias, pensamentos, vontades, palavras não ditas, gestos descumpridos, afetos não vividos, mágoas descabidas nós colecionamos? Juntam-se como sacos de pedras que nos pesam as costas. Algumas podem ser escondidas, mas cedo ou tarde vão nos incomodar, outras podem ser cuidadosamente polidas e entregues, antes que seja tarde. Umas devem ser atiradas à correnteza para que a vida siga seu curso. Mas aquelas que atiramos nos outros, essas podem voltar para nós ainda mais numerosas. O melhor é esvaziarmos esses sacos o quanto antes, e não colecionar as pedras que não valem.

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Os outros e ela.

Era fim de tarde quando ela passava por aquelas esquinas. Muitos corpos cansados, envergados, tentando carregar suas almas num sorriso. Ela sentiu pena. Eles sorriam sem parecer sentir. Ficou pensando na angústia deles, e mal se lembrava da própria. Em cada rosto idealizava uma vida. E sempre seu coração mergulhado em piedade. Achava que eles não sabiam o que era a felicidade. Queria tocar em cada corpo, num abraço. E com cada alma estabelecer um laço. Mas não foi capaz de se aproximar. Sentiu pena. Mais algumas horas e pensava em si mesma. Em casa, sozinha, dispensou a distração e olhou para si. Lembrava-se de todos os outros e os encontrou no espelho. Sentia seus passos, seus corpos, seus sorrisos, suas almas. SENTIA. Mas ela mesma, quem diria, não conseguia sorrir. Sentiu pena.

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Melancolia.

Melancolia. Às vezes é boa, às vezes necessária. Afeta. Remexe lá dentro. Faz pensar. Porque nem sempre os sentimentos que vêm são belos. Melhor assim. Sinto-me mais humana. Sem cascas, sem máscaras. Ajuda a me enxergar.
Edvard Munch. Melancolia.

domingo, 1 de setembro de 2013

De pai para filha

Sentia-se cansada, tonta. Tentava apertar o passo para chegar em casa, mas em meio a tantas pessoas apressadas parecia que não saía do lugar. Virando a esquina, uma visão a surpreendeu: aquela bela menina, com seus apenas dois anos de idade, vinha sorridente, a roupa branca e vermelha, o cabelo em duas “maria-chiquinhas”, e suas mãos leves e delicadas seguravam as mãos ligeiramente enrugadas daquele homem. Negro, cabelos grisalhos, poucos cabelos. Um semblante bem humorado, mas de testa levemente franzida. Carregava em seu rosto a paciência e a preocupação, o cansaço e a vontade de mostrar àquela criança uma vida diferente da que ele tivera. Ela então tonteou mais uma vez ao se dar conta de que aquela menina era ela, como conhecia das fotos, alegre, de olhar ingênuo e inseguro. O homem, que parecia ser avô da menina, era seu próprio pai, tal qual está hoje. Custou a entender, tentou olhar nos olhos dele, tão próxima estava... Mas ele não a notou, e ela achava que enlouquecera, ou então estava realmente delirando, precisava chegar logo em casa e descansar. Mas ela não se movia. A menina a olhava sorrindo e lhe despertou uma angustiante sensação de nostalgia. Será que vivera aquele momento docemente displicente? Será que sentira tanto carinho daquele homem, mas já esquecera? Ela buscava seus olhos, mas ele não a viu. Apenas a ternura daquela cena a acalmava, contornando a inquietante constatação de si mesma naquele “quadro”. Chegou em casa atônita. Preparou um chá e se entregou à TV até adormecer. Ao acordar, ainda se perguntava por que ele não a vira, por que era ela a criança, por que a cena se repetia? O que tudo aquilo lhe queria dizer? Um bom dia, e à mesa do café da manhã tudo fez sentido. Encontrava finalmente os olhos de seu pai. Ali, frente a frente, entendia o que aconteceu. Seus olhos lacrimejados sentiam falta da sua menininha, sentiam falta dos tempos idos. Parece que ele sentiu em seu corpo o peso da idade; sentiu em sua alma a dureza da vaidade. Ela compreendeu então que ainda poderia lhe segurar a mão como aquela garotinha; que ainda era possível pedir que lhe mostrasse outro mundo; que aquele homem ainda a amava na sua insegurança, na sua alegria e na sua espontaneidade. Entendeu que aquela doce criança lhe dizia pra recomeçar.

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Leve.

Tirar a bolsa dos ombros ao fim do dia. Suspirar. Pensar novamente no peso do amanhã. E então dormir. Às vezes não. Porque a dura casca que se formou não nos permite encontrar posição. Dureza, acidez, disfarce de sensatez. Controle do tempo que descontrola o bom senso. Dorme sem descansar, levanta sem despertar.
Frequentemente me pego pensando nos contornos da vida adulta. Decisões, responsabilidades, preocupações... pode ser muito pesado. Pode ser. Pode. Mas como as pessoas confundem seriedade com sisudez! Como se tenta impor desde tão cedo a necessidade (pra quem?) de uma “postura responsável”! O problema é quando essa responsabilidade mais aprisiona do que frutifica. Não se pode achar, por exemplo, que uma criança com seus apenas oito anos, por ser matriculada em mil atividades, irá ter um desenvolvimento pleno. (Mas isso, relativo às crianças, é pano pra muita manga depois). Voltemos a nós, adultos. Nós que experimentamos a angústia, a insatisfação, o vazio. E tentamos preencher, às vezes em vão. Nós nos esquecemos de dar risadas até cair no chão, ou até quase querer fazer xixi, esquecemo-nos de dançar livre e espontaneamente, de se lambuzar de sorvete, de girar feito pião. Nós deixamos de nos surpreender, e tudo se torna banal, e a gente reclama do tédio. E a gente reclama!
Amélie Poulain: minha inspiração sempre!
Não acho que devemos sair saltitando com as borboletas em campos floridos todos os dias, mas posar de senhor(a) da maturidade é armadilha carrancuda! Não tenho medo de me empolgar com uma música, de fazer palhaçada até me mandarem parar, de pedir o colo das amigas regado a brigadeiro, não tenho medo de pagar mico. Não deixo de ser séria por isso. Séria no sentido de ser responsável pela minha vida, no sentido de saber ouvir e aconselhar a quem precisa (e até que me solicitam bastante). Ainda tenho muito que aprender com a minha criança, mas cada vez mais percebo que a maturidade é saber resgatar o que há de bom em cada fase, porque o que fica pra trás é o momento que vivemos, e não aquilo que somos em virtude dele. A criança não morre, silencia. Mas é possível e extremamente necessário acordá-la para que ela nos ensine o quão engrandecedor é ser leve e se surpreender com a vida.

terça-feira, 27 de agosto de 2013

Um café e um bate papo

Acordei melancólica naquele dia. Sentia que precisava de uma longa conversa para mudar esse tipo de humor. Fui à procura de conselho, de rezas, e de paz. Enquanto pensava nos problemas e na persistência daquele sentimento em mim, ela me convidou a sentar. Segurou na minha mão, perguntou o meu nome e me ofereceu um café. Eu que costumo toma-lo sem açúcar senti um doce sabor de aconchego, compartilhado na mesma xícara, rústica, com aquela sábia senhora. Não fumo, mas seu cigarrinho de palha nem me incomodava. Estava ávida por suas palavras e fitei com atenção os seus olhos. Aquela velha senhora, preta, vestida de branco, que segurava minhas mãos como quem quisesse me fazer “escutar com os olhos” seus conselhos, falou-me coisas lindas de Deus, de coragem, de ternura, de persistência, de cuidado e de amor. Presenteou-me com um pequeno terço e tentou me ensinar a rezar, disse que eu preciso me aproximar de Deus, do meu anjo da guarda, com aquelas palavras que achei engraçadas: “vó sabe”, “vó fala pra você”. Não vi o tempo passar, mas quando me dei conta já falávamos há mais de hora. Ela falava muito mais. E me acalmava. Entre o café e o bate papo, uma bênção, um caloroso abraço, e encontrei a paz. Uma paz com sabor de simplicidade, de sabedoria, de alegria e de festa. Era festa, era música, era gira de preto velho.

sábado, 24 de agosto de 2013

O curso das ideias...

Difícil descrever pensamentos quando abundam cá dentro. Mais difícil ainda transcrever sentimentos, defini-los em papel. São de todas as ordens, todas as complexidades, de todas as profundezas. Seria necessário quase que caçá-los, como borboletas, para que coubessem nesse caderno. E tantos se perdem nesse movimento, isso é um tormento... Prefiro pensar que fazem o curso natural da vida, pensar que não posso dominar todos eles, querer fecha-los em caixinhas organizadas. Faz parte exatamente da minha (auto)construção que alguns passem rapidamente por mim e voltem a voar. É dolorosa essa perda, a perda de tantas páginas esvaídas, de ideias que não podem compor esta história. Mas os sentimentos, estes estão na memória, da mente, do corpo, da alma... Ajudam-me a reformular cada pedaço de mim. (p.s.: voltar a blogar também é reformular...)