sábado, 26 de outubro de 2013

Sorrisos.

Hoje andando pelas ruas do bairro vi uma senhora muito bonita. Vestia uma roupa leve e clara como seus cabelos quase totalmente brancos, um chapéu com laço de fita e um bonito batom rosa escuro. O que mais me chamou a atenção em toda aquela leveza foi o seu sorriso fácil. Ela caminhava como se não se importasse com a intensidade do sol. A mesma intensidade que me deixava de testa franzida (é... talvez franzida não apenas por causa do calor). Andava como se a vida lhe fosse leve, ou como se estivesse na expectativa de um feliz acontecimento, ou ainda como se tivesse acabado de encontrar uma velha amizade.

Quanta especulação em torno de um sorriso! É fato que me contagiou, me intrigou, e fiquei pensando na vida dela, na minha vida, e em quantos sorrisos encontro no meu dia a dia. Por uma doce surpresa, por um encontro inesperado, por uma lembrança que veio sem querer. Por aquele chocolate desejado, por uma vitória alcançada ou por simples vontade de viver. Um sorriso com um bom motivo ou simplesmente gratuito. Às vezes acidental, às vezes com intuito.

Já me acostumei a não me sentir tola treinando sorrisos no espelho. Já percebi que em muitos momentos ele é a causa e não a consequência do meu humor. Mas às vezes me esqueço de imprimir em meu rosto a marca da leveza e o que sobressai são as ruguinhas de preocupação. Carrancuda! Antipática! Assim chamei a mim mesma quando vi aquela senhora. E olha que não tenho um riso difícil. Mas estava tão distraída em meus pensamentos que cerrava os dentes, espremia os olhos.

Não sou a favor de brincar de conto de fadas o tempo inteiro, acho que devemos viver todos os sentimentos humanamente possíveis para aprender a dosar a vida. Isso é autoconhecimento! Então é claro que os sorrisos às vezes não aparecem. Mas é inegável que ele é terapêutico, é curativo, é necessário. E mesmo na dor é possível tirar até um sorriso sem graça da gaveta capaz de iluminar um pouco o dia.

Penso naquela senhora, reproduzo o seu sorriso, e tento me propor a treinar uma porção deles muito além do espelho.

domingo, 20 de outubro de 2013

Furacão - parte I

Têm sido dias de tempestade aqui dentro.

Daquelas que tiram tudo do lugar, levantam a poeira longe, fazem lama.

Acho que andei escondendo essa poeira toda embaixo do meu tapete de conveniências.

É bom que tudo se agite um pouco de vez em quando.

Mesmo que nesse vendaval eu ainda esteja agarrada ao tronco da minha comodidade.

Fixa, enraizada, mas que neste sopro forte foi arrancada. Sem dó nem piedade.

Tudo pelos ares. Certezas, dúvidas, decisões, embaraços, medos, coragem, até valores.

Estou no olho do furacão. Perdida. Chacoalhada.

Aguardando que haja busca por mortos e feridos e que assim eu descubra o que em mim sobrevive. Que eu descubra quais sentimentos e vontades terão mais forças para esperar a poeira assentar e se reerguer dos entulhos da vida.

terça-feira, 15 de outubro de 2013

Insônia.

Ela não conseguia dormir, já passava das duas da manhã. Na varanda, entregou seu pensamento às luzes que fagulhavam delicadamente seus olhos. Pensava longe, intensamente. Imaginava as vidas agora quietas, mas tão logo, à aurora, despertas. Indagava curiosamente o sentido daquilo tudo. Seguia as luzes da cidade, esse mar de gente... tentava adivinhar os sonhos de cada um que dormia. Atmosfera estranha, inverso do dia a dia. Silêncio. Silenciosamente intrigante. Não condizia com todo o barulho que dentro dela lhe estremecia os sentidos.

Ali parada, as lágrimas escorriam dos olhos, lavando a face que à luz do dia, na rotina, no espelho já não conhecia. Sentia desejo de voar, de flutuar sobre sua própria vida, acompanhando a dança das luzes silenciosas da cidade. Queria ser leve. Agora adivinhava os próprios sonhos, adormeceu por dentro, mas só por dentro. Sonhos trancados e que deveriam ser soltos ao vento. Vento que tocava suavemente seu rosto. Não tinha respostas, nada de certezas. As lágrimas embaçavam sua visão já turva pela miopia, e faziam parecer que as luzes aumentavam e iam em sua direção, como sinais de fogo. Fogo envolvente, energizante, que lhe convidava a dançar.

Estremeceu mais uma vez, e soluçou. O medo e o vazio lhe apertavam, mas em sua dança lutava para libertar ao vento seus sonhos costurados com fios de seda, flutuantes, ao mesmo tempo fortes e ingênuos, e que lhe agraciavam por sua singeleza. Um suave sopro gelado da madrugada a fez suspirar. Quase amanhecia. Sentiu-se acolhida em sua cama macia e quente, lembrava o fogo. Sabia que o alvorecer lhe traria possivelmente a desatenção, a inércia ou a confusão. Mas ela não desistia, e sabia que nada é sempre igual. Suas cúmplices madrugadas lhe ofereciam um sopro de mudança. Acordou cansada, e com uma incrível vontade de ser!

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

A gente aprende de qualquer jeito.

A gente sabe que a vida ensina, que a gente aprende com os acontecimentos, que a gente amadurece com o tempo e que é preciso paciência, e muitas vezes resiliência. Mas ninguém nos ensina o que é aprender. Não recebemos o manual indicando o tempo necessário da espera (Ou o que fazer nesse período). Só nos contam o final do filme: que a gente aprende.

E o processo é longo, árduo, confuso às vezes. Em algum momento da vida a gente se da conta dele sim, reflete sobre as esperas, as perdas e os ganhos e consegue perceber que, mesmo sendo demorada a caminhada, a gente está no rumo certo do aprendizado. Nesses momentos, é possível entender que a descoberta não está ao nosso alcance, mas ela está logo ali. Ficamos dispostos a percorrer o trajeto completo até chegar ao seu devido destino. E aí tudo parece ficar mais ameno.

Mas há fases em que ficamos feito crianças que não sabem esperar. O choro é incontido, a raiva é ingênua e irracional, qualquer olhar é reprovação, qualquer talvez torna-se não. E todo não é desolação. O imperativo é a pressa, é a solução, a resposta! É a necessidade de chamar a atenção do mundo para nós, sem medo de dizer que não estamos conseguindo sozinhos. Da aquela vontade de sentar e se entregar à dor até que alguém apareça com uma palavra que cure, mesmo que momentaneamente. Como a criança que espera um colo, um doce, uma brincadeira descompromissada.

Esse não é o momento para que alguém me diga que devo crescer e esperar. A minha criança não sabe o que é isso. E não precisa saber. E nós, mesmo adultos, também não precisamos estar conscientes disso o tempo inteiro. Não é regredir, é deixar que a fragilidade também ajude no processo da descoberta para o crescimento. E seguir esta criança pode ser um bom suporte para isso, porque a criança não sente vergonha de gritar, de chorar, de pedir ajuda, de ser frágil. Mas é justamente a sua incapacidade de racionalizar a dor que a faz voltar a sorrir por muito pouco. E com ela a gente aprende de novo.

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Compaixão e sensibilidade.

Outro dia escutei duas pessoas conversando sobre uma mulher que anda pelas ruas pedindo dinheiro, roupas, comida. Diziam que a mulher não fica satisfeita com o que lhe oferecem e vive arrumando confusão, brigando com todos. Um trecho do diálogo foi:

- “Ela grita com todo mundo como se a gente tivesse culpa dos problemas dela. Já a Dona Fulana é muito tranquila, não causa problema algum.”

- “Verdade, ela vem sempre aqui, pede, mas fica quietinha, tem as doideiras dela, fala sozinha, mas não incomoda.”

Pois então que me indago mais uma vez (e sempre!) sobre o quanto nos importamos com outro ser humano que está ali ao nosso lado, dia a dia, vivendo possivelmente angústias e expectativas muito semelhantes às nossas. Pergunto-me por que ainda ignoramos e até mesmo desprezamos atitudes, comportamentos, “formas de sofrer” que julgamos desnecessárias, porque achamos que tudo tem que estar em ordem, na tranquila paz. Como se nós (digo todo ser humano) estivéssemos imunes a todo tipo de fragilidade.

Na situação que presenciei, em específico, há ainda uma questão de diferença social muito clara. Alguém que vive à margem da sociedade, somente pela sua condição de pedinte já incomoda. Não queremos nos sentir responsáveis por outra pessoa, muito menos culpados (porque a culpa da miséria é dela mesma, é o que dizem sempre; ela não se esforçou, não correu atrás). Reclamar então, imagine! Se eu lhe entregar o que comer (ainda que nem olhe em seu rosto) ela já deve se dar por satisfeita.

Mas não paramos para pensar que, se ela reclama, se ela grita, talvez precise matar uma fome que dói muito mais fundo que o estômago. Não é favor ou mera caridade que lhe devemos. É compaixão, ao menos uma gota de sensibilidade. Olhar em seus olhos e não nos sentirmos incomodados quando ela reclama, quando ela fala sozinha, quando ela grita pelas ruas... Porque são histórias de vida (muitas bem mais duras que as nossas), são dores e esperanças, cansaços e vontades (sim, ela tem vontades!), muito além de sua aparência mal cuidada ou de sua “loucura” por nós incompreendida.

Materialmente, as queixas podem ser outras, a forma de esbravejar pode ser diferente, mas no espelho da alma talvez possamos nos reconhecer gritando como aquela mulher.